Formas de tomada de decisão na comunidade por Lena Ferreira


No Curso Educação Gaia, Design em Sustentabilidade, que aborda boas práticas de ecovilas do mundo inteiro, costuma-se dizer que a primeira coisa que a comunidade tem que decidir é qual será sua forma de tomada de decisão.

Lena Ferreira por Bernardo Oliveira
Nas décadas de 1990 e 2000, as ecovilas empenharam grande quantidade de energia buscando elaborar a forma mais perfeita de tomada de decisão. O consenso era a mais almejada e em algumas decisões parecia mesmo imprescindível: “A alimentação nesta comunidade será vegetariana”, “para vir morar na comunidade tem que ser aprovado por unanimidade”. Havia a ideia de que numa comunidade ideal todas decisões deveriam ser tomadas por consenso. Mas logo se percebeu que levava um enorme tempo tentar chegar a uma resposta satisfatória que contemplasse a todos; e às vezes não se chegava. E assim foram-se adotando conceitos correlatos para facilitar o processo (como consenso menos um) e comportamentos para regulá-los (só se pode bloquear uma ou duas vezes na vida). Consenso virou uma ferramenta muito estudada com a criação de vários meandros para viabilizá-la.

Mas, analisando outras formas de tomada de decisão podemos perceber que há vantagens e desvantagens em todas elas, dependendo do contexto em que se tente adotá-las, como analisamos abaixo, partindo das menos democráticas para as mais democráticas: 
  • Forma autocrática – onde só um manda e os outros todos obedecem. 

Essa era a forma de tomada de decisão mais rejeitada, sobretudo por quem teve pais autoritários. Mas, pensando bem, ela pode ter o seu lugar. Imagine-se em um prédio pegando fogo. Em um dado momento, entra pela janela um bombeiro e começa a dar ordens para todo mundo. “Você, feche aquela porta, vocês, deitem-se no chão e esperem, velhos e crianças aqui junto à janela para saírem primeiro”. Ali não teria outro jeito; ele manda e todo mundo obedece mesmo, e agradecendo. Ninguém questiona: “Será mesmo que sou a pessoa com o melhor perfil para fechar a porta?”, “ O Sr. não pediu por favor”. A má imagem da autocracia deve-se ao fato dela ter sido mal utilizada por governantes cruéis e gestores arrogantes ao longo dos séculos. Mas vimos que ela tem o seu lugar por ser uma forma muito rápida de tomada de decisão, bem eficiente em emergências. E pode ser utilizada com amor e responsabilidade, como no caso das mães. É a forma mais utilizada no mundo, incluindo-se nela muitas religiões, cujos dogmas são seguidos voluntariamente por seus adeptos sem contestação.
  • Consultiva – Um líder ouve a opinião do grupo sobre o assunto, procura sentir o que seria mais adequado ou desejável para aquele grupo mas a palavra final é dele.

Esta é uma forma de tomada de decisão apropriada quando existe na situação um só especialista sobre o assunto que se quer decidir. Embora ele consulte as demais pessoas para ajudá-lo a chegar a uma conclusão adequada ao contexto e às expectativas das pessoas, como a responsabilidade é dele a decisão também é.
  •           Minoria – A decisão é tomada por poucas pessoas que foram delegadas para isso.

Utilizada quando o grupo confia a alguns “experts” uma decisão que precisa de algum conhecimento sobre o assunto, ou porque essa minoria está mais envolvida e os demais são neutros ou porque essa minoria será quem vai trabalhar no assunto a ser decidido. Isso não exclui também a participação de outras pessoas que não decidem mas gostariam de dar sugestões. 
  • Maioria – A decisão é tomada por votos dentro de um percentual previamente definido (50% +1 ou 75% etc).

É a forma geralmente utilizada nas democracias. Pode-se parecer que ganha tempo com ela, mas imaginem se ter 49% das pessoas com voto vencido, sem poderem recorrer da decisão final embora estejam insatisfeitas com ela. São possíveis sabotadores futuros ou, pelo menos, improváveis colaboradores com a decisão tomada.
  •         Democracia Profunda – As propostas são discutidas e vão sendo modeladas para serem aceitas pelo maior número de pessoas. A minoria que não aprova a proposta vencedora (pode ser estipulada em 20% ou 30%) compromete-se a aceitar a decisão sem boicote e assumindo a corresponsabilidade por ela.

Como sabemos que não é fácil todas as pessoas desejarem a mesma coisa. Essa forma apela para a maturidade do grupo, pedindo um voto de confiança para a proposta mais votada em nome da harmonia da comunidade. 
  • Consenso – Partindo do princípio que a comunidade adota os valores de cooperação, confiança, igualdade, honestidade e respeito vai se promovendo um diálogo até chegar a uma decisão aceita por todos.

Essa é uma forma que torna um grupo poderoso e unido, fortalecendo um objetivo comum. Ela é possível e já foi muito utilizada em populações tradicionais como indígenas e os quakers. Na vida moderna ela se torna difícil porque são inúmeras as visões de mundo e também porque pode ser uma forma muito demorada e levar dias, meses ou até anos para se chegar a um consenso. É mais fácil em grupos já criados sob uma visão de mundo comum como os grupos espirituais.
  •           Consentimento – Criada pela Sociocracia, para tentar resolver os problemas do consenso, segue todo um rito para se tornar mais objetiva e as pessoas, mesmo que não concordem totalmente com a decisão mais acatada, consentem com sua implantação, tornando-se seus corresponsáveis e colaboradores.

Na reunião de tomada de decisão sociocrática, a proposta apresentada tem que ser previamente muito bem estruturada e sobre ela há várias rodadas dirigidas, em que todos têm que se expressar, com o objetivo maior de saber se há objeções “consistentes, fundamentadas e importantes” à proposta. Quem não tem objeções e não quer propor alternativas mas ainda não gosta da proposta, é convidado a seguir os dois “mantras” da tomada de decisão sociocrática: “É suficientemente bom por agora?”, “É seguro o suficiente para tentar?”

Como vimos cada caso é um caso e é útil conhecer várias formas de tomada de decisão para poder escolher conscientemente a mais adequada ao contexto em que estamos inseridos no momento. Vale até par ou ímpar. Por isso é que se diz que a primeira coisa a se fazer frente a uma decisão, é decidir qual a forma a ser utilizada para tomá-la.

Lena Ferreira
Designer em Sustentabilidade
Pedagoga Social e da Cooperação
Consultora de Relações Humanas da Amainar

Texto protegido pela Lei de Direito Autoral nº 9610/98


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