Acordos de convivência por Lena Ferreira

Lena Ferreira por Bernardo Oliveira
Os acordos são ferramentas imprescindíveis para uma boa convivência na comunidade. Vale lembrar que acordos são muito diferentes de regras ou de leis frias, impostas de cima para baixo. Pelo contrário, a etimologia da palavra acordo já nos mostra que ele tem dentro de si um coração (cor, cordis). São definidos pelos os interessados após cuidadosa exposição de motivos e muito diálogo para que fiquem com a cara de todos. Na prática pode funcionar assim: eu listo tudo o que desejo e preciso para o meu coração ficar tranquilo e assim viver bem na comunidade, tanto as coisas positivas quanto as negativas; todos  fazem o mesmo; depois vamos dialogando até desenvolvermos uma profunda compreensão e empatia com as necessidades e desejos uns dos outros até chegarmos a uma frase consentida por todos para cada tema abordado. Eu preciso de que todos façam o acordo não utilizar agrotóxicos nos plantios e jardins para não contaminar as águas e o lençol freático de nossa propriedade? Eu desejo muito que na entrada da comunidade exista um lindo jardim? Eu não consigo tolerar som alto e batidão, sobretudo de madrugada? Os membros da comunidade têm que esclarecer tudo o que cada um precisa antes de construírem os estatutos e os regimentos internos para que todas as necessidades sejam acolhidas.

E cada um vai deixando claro o que precisa, o que deseja e o que não consegue tolerar e nessa construção as pessoas vão se entendendo, se acatando e também fazendo concessões, como em tudo na vida. Talvez você abra mão do seu desejado silêncio por causa da festa de aniversário daquele adolescente querido e talvez até vá na festa. Mas se o seu vizinho quiser transformar a casa dele na “sede do batidão” pode ser mais do que você consiga conviver. E a melhor maneira de impedí-lo é o acordo prévio, constante no Regimento Interno da Comunidade.

Não existe certo nem errado, nem melhor nem pior. O que existe são perfis diversos que podem ser incompatíveis. Se o perfil de todos da comunidade for gostar do batidão, lá pode ser uma festa constante e até virar um point na cidade para a felicidade geral.

Há comunidades que se constroem em torno de perfis bem específicos: comunidades religiosas ou filosóficas, dedicadas à educação, à Permacultura, à agricultura sintrópica ... são incontáveis tipos. E também há as que abraçam a diversidade. Mas mesmo em comunidades com perfis específicos as pessoas não são iguais. Por isso a importância dos acordos prévios em que todos, sem exceção, tomam parte, se responsabilizam e assumem as decisões coletivas.

Acordos devem ser feitos em relação a todas as áreas de atuação da comunidade: ecológica, econômica, operacional, estratégica, governança, design permacultural ... mas são sobretudo relacionados à convivência. Veremos no texto seguinte que há várias formas de tomada de decisão que podem ser adequadas a cada caso, mesmo se o acordo prescindir de conhecimentos mais técnicos.

É importante que os acordos sejam registrados por escrito e definidos em reuniões com a participação de todos. Devem ser afixados em uma parede, caso a comunidade tenha um local de encontros ou em uma pasta em um Drive na Internet que se possa acessar a qualquer momento. Quem não puder comparecer às reuniões deve indicar, dentro do grupo,  um representante com poder de decisão para falar em seu nome.

Há acordos bastante óbvios e usuais como pontualidade nas reuniões, silêncio entre  22h e 8h, não obstruir as passagens. Certamente esses acordos mais objetivos são fundamentais, mas se corre o risco de gerarem uma lista sem fim e não conseguirem resolver a maioria dos problemas de convivência. Por isso, constroem-se vários acordos baseados em valores e técnicas de relacionamento, o que também não é uma garantia final já que são mais subjetivos e por isso sujeitos a interpretações diferentes. Mas, de qualquer forma são mais abrangentes e podem abarcar muitos itens da lista ao mesmo tempo. Citamos abaixo exemplos de acordos baseados em valores:
  •         Respeito pelas pessoas, pelo espaço e pelos acordos do grupo;
  •         Gentileza ao se expressar;
  •        Fazer sempre o seu melhor;
  •        Sempre que utilizar um espaço deixá-lo melhor do que o encontrou;
  •        Não-triangulação (isso significa o seguinte: se eu tenho uma questão com você, vou falar diretamente com você e não comentar com uma terceira pessoa);
  •     Comunicação não-violenta – que pressupõe uma série de habilidades e mesmo uma capacitação prévia, mas se for implantada previne muitos conflitos.

As maiores garantias de que os acordos vão funcionar são a abertura de coração para os desejos e necessidades do outro ao mesmo tempo que se tem autoestima e consciência de suas próprias necessidades e desejos. Saber presentear com o “sim” e colocar limites com o “não”. Às vezes as necessidades são incompatíveis, é verdade, mas é nesse conflito que pode estar a maior oportunidade de aprendizagem e crescimento, e se for assim, aceite, confie e agradeça, pois mais cedo ou mais tarde sempre haverá alguma solução.

Lena Ferreira
Designer em Sustentabilidade
Pedagoga Social e da Cooperação
Consultora de Relações Humanas da Amainar

Texto protegido pela Lei de Direito Autoral nº 9610/98




Comentários

  1. Olá Lena, parabéns pela comunicativa e importante construção sobre acordos de convivência. Seu texto partilhas caminhos zelosos para a vida comunitária com amor e respeito. Gratidão!!!

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    1. Gratidão pelo incentivo Rafael. Muito bom saber que você gostou!

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