As Comunidades da Transição por Lena Ferreira
Lena Ferreira por Bernardo Oliveira |
Viver em comunidade deveria ser a condição natural da vida
humana já que o Ser Humano é um animal gregário. É na relação com as outras pessoas
que vamos construindo nossos conteúdos, valores e sentimentos, nosso jeitão de
ser. Porém, nossa sociedade foi ficando cada vez mais individualista, mais
egoísta, mais competitiva. Muitos olham para outro ser humano não como seu
irmão, mas como um competidor a ser vencido e dessa forma não se constroem relações
fraternas.
Quem criou essa estratégia social que inventou a crença de termos
que lutar continuamente uns contra os outros, contra a escassez, contra o tempo
e nos divide ao invés de estimular que as pessoas se unam para se tornarem
poderosas? É uma estratégia que só interessa aos três por cento da humanidade
que detém mais de 90% das riquezas do mundo e por isso faz de tudo para
permanecer nessa posição. Mas eles não conseguem nos enganar mais. Apesar de
ainda haver muita pobreza e muita guerra, a humanidade está evoluindo sim.
Temos recursos para todos, estão só mal divididos e mal utilizados pela
ganância de alguns. E temos também atualmente muitos recursos de informação
para mostrar que já há soluções para quase tudo e facilidade de nos
comunicarmos mundialmente com os grupos que acreditamos que estão nos ajudando
a dar o próximo passo civilizatório. E o que isso tem a ver com comunidades? No
meu entendimento pessoal, as comunidades intencionais fazem parte da estratégia
do novo passo evolutivo. É muito mais fácil, lógico e saudável compartilhar a
vida, os recursos e o trabalho com outras pessoas que têm diferentes expertises
e potenciais mas que queiram criar com a gente um projeto de vida comum.
Mas o que chamamos aqui de comunidades? Como começou esse
movimento, para onde vai?
Mãos de integrantes das comunidades Flor das Águas, Grande Mãe, Santuário e Aldeia Cafuringa e Terra Próspera |
Começou há milênios, com os caçadores que perceberam que
sozinhos eram fracos frente aos bizões e com suas mulheres que se uniam para
criar as crianças e produzir alimentos. Hoje há vários tipos de comunidade,
desde as comunidades tradicionais como as tribos, os quilombos, os caiçaras e
mesmo alguns vilarejos, bairros ou cidades, que se caracterizam por ter a mesma
tradição, linguagem e cultura, até comunidades profissionais, espirituais,
educacionais, agrícolas, recreativas e muitas outras.
Aqui neste Blog falaremos das comunidades intencionais que
são aquelas que se constituem por causa de um propósito, um sonho, um projeto
de vida comum e se dedicam a desenvolvê-lo cooperativamente, com consciência e
intenção. Têm como um dos seus principais desafios ressensibilizar as pessoas
para as interações humanas. Podem
ser rurais ou urbanas, comunidades de aprendizagem, de desenvolvimento pessoal,
de trabalho, uma ecovila, um grupo de economia solidária, um grupo de
agricultura urbana. O que caracteriza a comunidade intencional é a ação
conjunta consciente. Por isso, uma
simples reunião de pessoas no mesmo local, como um condomínio ou um prédio de
apartamentos, não é considerada comunidade. Contudo, os grupos de uma empresa,
mesmo um prédio de apartamentos, uma escola, uma igreja podem se tornar
comunidades sim, dependendo da forma como se organizam.
As ecovilas são um dos melhores exemplos de comunidade
intencional. Foram escolhidas pelas Nações Unidas como uma das cem melhores
práticas mundiais de sustentabilidade. A Rede Mundial de Ecovilas (GEN – Global
Ecovillage Network) as define da seguinte forma: “Ecovilas são comunidades
urbanas ou rurais, formadas por pessoas que se esforçam para integrar o
ambiente social cooperativo com um estilo de vida que não cause danos ao meio
ambiente”.
O Curso Gaia, Design
em sustentabilidade criado por um grupo de 24 educadores na Ecovila de
Findhorn, na Escócia, em 2005, para difundir as melhores experiências e
práticas das ecovilas do mundo inteiro, considera que essas práticas se dão em
4 grandes dimensões: social, ecológica, econômica e visão de mundo. Creio que
essas dimensões valem também, em menor ou maior escala para os outros tipos de
comunidade intencional.
A dimensão social costuma ser a mais desafiadora. Hoje
vivemos em um sistema social de separação e criar comunidades é voltarmos a
viver em união, como anseia o nosso instinto natural. Romeu Leite, facilitador
do Gaia que há 30 anos faz parte da Ecovila Yamaghishi (Jaguariúna, SP) diz que
ali é um grande laboratório onde está se fazendo uma experiência de organizar a
sociedade de uma maneira diferente, uma maneira baseada na cooperação, não na
competição, uma maneira de viver numa sociedade que não seja calcada no acúmulo
de bens mas no compartilhamento dos bens materiais, no autoconhecimento e no
entendimento entre as pessoas. A
dimensão social será alvo da maior parte dos textos deste Blog.
A dimensão econômica também é muito desafiadora porque
nossos valores sobre abundância, prosperidade e consumo também têm que ser
completamente reconstruídos para permitir aflorar uma nova economia, quem sabe
a economia do amor, preconizada por Marcos Arruda, que também é facilitador do
Gaia. Enquanto isso, as comunidades são laboratórios para a soberania
alimentar, para a utilização dos softwares livres, para a economia solidária
com suas práticas colaborativas, feiras de trocas e moedas locais. A inovação
econômica é grande. Na ecovila de Findhorn, na Escócia, há uma loja onde as
pessoas retiram o que precisam ou também colocam o que não estão usando, livremente,
sem o controle de ninguém e sem a intermediação de qualquer moeda. Na Yamaguishi há um caixa único compartilhado. Ali é
colocado o rendimento do trabalho de todos. Cada um sabe quanto dinheiro tem nesse caixa e usando a sua
autoconsciência vai regulando sua retirada. Além dos recursos financeiros,
outros recursos também podem ser compartilhados. É muito comum haver um carro
da comunidade, guarda-roupas compartilhados e biblioteca única com recursos
audiovisuais, ou um escritório bem equipado para ser utilizado coletivamente.
Mas esses são os aspectos mais superficiais já que a busca por um modelo de
economia solidária é um assunto muito sério e profundo que envolve economistas
alternativos do mundo inteiro. Voltaremos ao tema em outros textos.
A dimensão
ecológica parte da busca da sustentabilidade planetária, social e pessoal e a
regeneração, mesmo que em escala local, dos ecossistemas destruídos. Envolve a responsabilidade pela própria
alimentação, pela água - que inclui o cuidado com a qualidade do lençol
freático, a captação de água de chuva, o reuso, o não-desperdício – pelos
resíduos, a compostagem e o saneamento, a utilização de produtos puros e biodegradáveis
na higiene pessoal e na limpeza da casa, a bioconstrução, a produção de energia
entre outros muitos assuntos. Em nosso auxílio para lidar com tantas variantes
temos a ciência da Permacultura que nos mostra um modo sustentável de organizar
os ambientes humanos e da forma mais harmônica possível em 4 grandes áreas:
água, alimentos, construção e geração de energia propondo soluções alternativas
muito mais resilientes.
A Visão de mundo é a cola do grupo. A missão de criar uma
nova realidade, uma nova forma de estar no mundo já não é fácil com nossos
irmãos, imagine com gente que têm desejos e intenções bem diferentes. Por isso
é importante que o grupo tenha os mesmos valores e princípios, tenha um projeto
de vida comum e esteja disposto a mudar alguns de seus hábitos. Cada um dos
textos deste Blog traz um pedacinho da Visão de Mundo característica da maior
parte dos idealizadores de comunidades intencionais.
Em resumo: a comunidade intencional adota uma maneira de
viver que preserva o planeta, constrói uma economia solidária, amplia a visão
de mundo e cuida das relações entre as pessoas. Ela restabelece a confiança no
ser humano, na troca, no afeto, no amor. Tem fé na mudança e na nova ordem
política-econômica-social-espiritual e contribui para a base da energia que move o novo mundo. Ainda não é
para todo mundo. Eu diria que raras pessoas hoje já têm condições de se
organizar nessa nova forma de viver. Pensando bem, é para todo mundo sim porque
está dentro do desejo de cada coração, e cada passinho que se dá nessa direção
pode contribuir para a criação de um mundo mais humano. E todas as pessoas
podem dar pelo menos um passinho, e mais um, mais outro, e quando perceberem,
já estarão aqui junto de nós também.
Lena Ferreira
Designer em Sustentabilidade
Pedagoga Social e da Cooperação
Consultora de Relações Humanas da Amainar
Texto protegido pela Lei de Direito
Autoral nº 9610/98
Lena querida, li numa respiração só seu texto. Que maravilha esse conteúdo que vc ta compartilhando! A sensação é de uma gratidão enorme!! Principalmente porque sei que ele está incorporado na sua alma e vai muito além das palavras! Ahowwww!! Jay hoooo!
ResponderExcluirParabéns! Excelente texto. Obrigado por compartilhar.
ResponderExcluirLena, que texto maravilhoso! Com estratégias e motivação a nos resgatar para o que somos comunidades => Unidades. Parabéns pela leveza e fluidez em disseminar boas sementes.
ResponderExcluirMuito boa arrancada, Lena! Ótima contextualização e deixa com gosto de "quero mais". Que venham os próximos capítulos! Bjs, Rachana
ResponderExcluirMaravilha de texto Lena! Você trás uma visão bem clara da comunidade intencional e que nos dá a sensação de que essas idéias se propagarão cada vez mais e mais, com certeza! grande beijo amiga querida
ResponderExcluirQueridxs. Gratidão pelo incentivo. É muito bom saber que há cabeças e corações seguindo junto, compartilhando a mesma visão de mundo e os mesmos ideais!
ResponderExcluirLena, querida, seu texto me deu vontade de correr e começar hoje mesmo a construir uma comunidade intencional na minha casa, no meu prédio, no meu condomínio, no meu trabalho, na minha escola, enfim, no mundo! Desejo-lhe muita energia pra continuar nos alimentando com sua sabedoria! Um abraço apertado e um beijo estalado!
ResponderExcluirQue delícia ler os comentários de vocês!
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirLena querida, meus parabéns pela contribuição maravilhosa e rara que nos oferece com seu blog. Particularmente, como membro da Ecovila ConVIVER, venho sentindo muita necessidade desse tipo de conhecimento na sua forma de relato. Preenche um vácuo enorme que comunidades como a da nossa ecovila tanto necessitam. Já há metodologias disponíveis mas poucos conteúdos contemplam os aspectos e a complexidade que existem na formação das comunidades intencionais. E isso você nos traz aqui, com maestria. Gratidão
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