Os oito níveis de sustentabilidade preconizados pelas ecovilas por Lena Ferreira
Lena Ferreira por Bernardo Oliveira |
A palavra sustentabilidade é daquelas que foram tão
desgastadas pelo uso que hoje ela circula com diferentes significados e mesmo
por alguns contextos bem duvidosos. Em uma das primeiras vezes em que foi
utilizada a expressão “desenvolvimento sustentável”, pelo relatório Brundtland
em 1987, sua definição era “o desenvolvimento que satisfaz as necessidades
presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas
próprias necessidades”. Tradições indígenas são mais rigorosas e falam em
garantir as sete próximas gerações. Gosto muito também da definição de
sustentabilidade de John Ehrenfel “É a possibilidade dos Seres Humanos e outras
formas de vida florescerem na Terra para sempre”. Muito se fala em
sustentabilidade, mas a verdade é que nosso mundo está cada vez menos
resiliente.
Mas para além das definições é necessário entender o como
fazer, a que fatores devemos prestar atenção quando queremos viver de uma forma
sustentável e contribuir com o planeta. Honrando a iniciativa das ecovilas, que
são espaços instituídos para proporcionar a emergência de uma nova forma de
viver com sustentabilidade ambiental, econômica, social e cultural, darei aqui
minha percepção sobre os oito níveis de sustentabilidade que foram preconizados
pela GEN (Rede Global de Ecovilas) como os necessários para se viver sustentavelmente,
e adotados por muitas ecovilas e iniciativas sustentáveis no mundo inteiro,
como o Ecobairro em São Paulo. Esses níveis são: Ecologia, Educação, Cultura,
Economia, Governança (ou política interna e externa), Comunicação, Saúde e
Espiritualidade.
Comecemos pela Governança, o nível que mais
exploraremos neste Blog porque é um dos mais inovadores em relação ao mundo em
que vivemos e carentes de conteúdo de apoio. Vivemos em um sistema de
organização social e política que está muito aquém do mundo que sonhamos e por
isso temos que repensá-lo quase que completamente na organização de nossas
comunidades intencionais sustentáveis. O cerne da questão da governança nas
comunidades é evitar a organização hierárquica, substituindo-a por estruturas
horizontais e circulares em que a participação e o poder de decisão são
equanimemente distribuídos. Nas formas de decisão circulares não há votação
(que, como dissemos em um texto anterior, poderia deixar 49% das pessoas insatisfeitas) nem competição entre
lados diferentes. Pelo contrário, já que o círculo não tem lados estamos todos
juntos. As diferentes propostas, mesmo que antagônicas, são apresentadas e analisadas
em processos inclusivos que proporcionam a compreensão mútua e o
desenvolvimento da solidariedade no grupo. Se há opiniões diferentes, busca-se
formar uma minoria leal que aceita, por confiança no coletivo, dar oportunidade
a se experimentar uma proposta diferente da sua desde que ela seja “segura o
suficiente para tentar e suficientemente boa para o momento”. As decisões mais
importantes são tomadas por todos ou por um círculo de Conselho, mas pequenos
círculos e grupos de trabalho podem
ser empoderados para agilizar decisões mais cotidianas. O documento norteador
que facilita a organização, minimiza os conflitos e as dificuldades de
comunicação é o Regimento Interno. Esse regimento é construído coletivamente e
registra os acordos básicos em diversas áreas definindo critérios e proporcionando
a convivência harmoniosa e todos são responsáveis por cumprir e zelar por ele.
Lembramos aqui que acordos são muito diferentes de regras. Regras são impostas de
cima para baixo e acordos são feitos a partir da manifestação de todos. No
mundo todo estão sendo criadas alternativas às formas de governança do nosso atual
modelo civilizatório como OCV´s (organizações de centro vazio), Sociocracia,
Holocracia e muitas ferramentas para subsidiá-las. E o diálogo sobre esse
assunto neste blog já começou e irá se desenrolando aos poucos.
O segundo nível de sustentabilidade que abordaremos aqui é o
da Saúde,
mas da saúde total do sistema, como prega a Ecologia Profunda: saúde
individual, social e planetária. Como você pode se sentir bem se o seu grupo
social está doente, se seu planeta está doente? Como o seu alimento, que também
é o seu remédio, pode ser saudável se a terra em que você o planta não tem
vida, não tem saúde? Talvez não dê para você resolver o problema da saúde do
planeta todo, mas comece pelo seu pedacinho. Viver entre amigos comprovadamente
faz bem para a saúde e juntos podem tratar dos aspectos de saúde individual e comunitária nos níveis físico, mental, emocional e espiritual. Certamente
também voltaremos muitas vezes a este assunto.
A Cultura e a Arte formam um nível de
sustentabilidade muito ligado à saúde. A vitalidade de uma comunidade é
estimulada por suas atividades artísticas, celebrações e encontros festivos. A
criatividade e as artes são expressões da comunidade e sua inter-relação com o
mundo. O próprio design e a aparência da comunidade devem demonstrar que ela
valoriza arte, beleza. A beleza também é um alimento emocional e espiritual.
Por isso, todas as oportunidades de estar junto devem ser aproveitadas para atividades
como roda de viola na fogueira, para danças circulares, cine clube, oficinas
artísticas. Os talentos artísticos devem ser valorizados e haver espaço para expressá-los
e desenvolvê-los.
Educação: Dizem os indígenas que é preciso toda uma tribo para
educar uma criança e nenhum lugar é melhor do que uma comunidade para isso. O
que mais educa as crianças é o contato direto com pessoas verdadeiras e
amorosas que as integram nas atividades do dia a dia e ensinam a cultura
daquela coletividade. Também o contato com a natureza vai formando e
fortalecendo seus corpos dentro da unidade. Seria ideal ter uma escolinha
dentro da comunidade para as crianças pequenas e conforme fossem crescendo
poderiam ser introduzidas as interações com as aprendizagens do mundo exterior.
Também não pode ser esquecida a educação e a reeducação dos adultos já que temos
muito a desaprender ao mesmo passo de todo um futuro de aprendizagens para
viver. A educação deve ajudar a curar a separação entre mente-corpo-espírito e
entre alma-terra-sociedade.
Comunicação: Grande parte da comunicação em nossa sociedade,
até dentro das famílias, é violenta, passa valores autoritários, competitivos,
consumistas, preconceituosos e vivemos completamente imersos dentro dela. É
grande o trabalho de limpá-los lá do fundo de nossos pensamentos e atitudes
conscientes e subconscientes. Precisamos reformatar muitas de nossas crenças
para lidar com o outro de uma forma compassiva, desenvolver uma escuta ativa e
uma fala autêntica. Precisamos construir uma comunicação eficiente na
governança e aspectos
práticos da comunidade, na participação no mundo e suas diversas mídias e
sobretudo nas relações individuais, na resolução de conflitos, na construção de
uma nova forma de interação. Esse também é um assunto muito extenso e
tentaremos neste Blog abordar vários de seus aspectos iniciando, brevemente,
pela Comunicação não-violenta.
Economia. Em nossa sociedade, o ter ficou mais importante do
que o ser e as pessoas se perderam, se corromperam. O dinheiro deixou de ser um
veículo de troca e virou um meio de poder, de escravização. É gerado mais pela
especulação do que pela produção. Como o sistema capitalista é globalizado e
poderoso parece difícil enfrentá-lo mas já sabemos que ele é uma ilusão e só se
mantém ainda porque as pessoas acreditam nele. Já sabemos que o dinheiro nem
existe, mas isso é uma longa história (veja no you toube “Money as debt). Nas
ecovilas buscam-se soluções como feiras de trocas, moedas solidárias e muitas
outras e estimula-se o consumo e a economia local a exemplo do Banco Palmas.
Muitos movimentos são inspiradores como slow, occupy, viver simples,
desobediência civil e muitas novas formas solidárias de acessar os produtos e
serviços que desejamos e precisamos estão sendo incubadas.
Ecologia é cuidar da nossa casa, da nossa mãe Terra, de todos
os seres que vivem na Unidade conosco, animados ou inanimados (como se
existissem seres sem alma!), cuidar da imensa teia da vida da qual fazemos
parte. Tudo é interdependente. Geralmente este é o primeiro aspecto que
mobiliza as pessoas que procuram uma comunidade, e é o mais compreendido, pois
todas as pessoas sensíveis vêem que não dá mais para continuarmos dessa forma
que a ecopsicologia chama de ecocídio. A boa notícia é que esta é a área em que
temos mais soluções conhecidas, como a agrofloresta, a agricultura sintrópica,
as bioconstruções, as inovadoras formas ecológicas de manejo de água, de
energia, de resíduos e toda a vastidão da pesquisa da Permacultura. O que falta
agora é atitude individual e política.
Por fim, a Espiritualidade habita em tudo o que
é sagrado como a relação entre a esposa, o marido e os filhos, como a forma
como se olha para uma flor, como se faz arte, como a gratidão que sentimos por
estarmos vivos. Pertencer a uma religião pode facilitar essa conexão com o Todo
e a qualidade da presença consciente de que há muito mais do que só o mundo
físico que vemos. Algumas ecovilas são criadas em torno de uma religião, outras
desenvolvem práticas de meditação ou seguem uma linha esotérica, mas não há uma
linha específica a ser seguida, desde que a espiritualidade esteja presente.
Ufa! É muita coisa para tentar sintetizar em um espaço tão
pequeno. Espero ter conseguido dar uma noção básica de cada aspecto. Aqui foi
só uma apresentação para vocês conhecê-los. Aos poucos iremos aprofundando
nosso diálogo sobre cada um deles.
Lena Ferreira
Designer em Sustentabilidade
Pedagoga Social e da Cooperação
Consultora de Relações Humanas da Amainar
Texto protegido pela Lei de Direito
Autoral nº 9610/98
Comentários
Postar um comentário